Há algumas semanas, estava dando um workshop sobre
equilíbrio entre vida pessoal e profissional para um grupo de presidentes de
empresas. No meio da programação, quando estávamos discutindo a fundo todas as
dificuldades enfrentadas por quem trabalha muito (cada vez mais) e tem pouco
tempo para a vida pessoal (cada vez menos), eis que um dos presentes diz, em
alto e bom som, ao mesmo tempo em que olhava para a tela de seu Blackberry:
“A gente já sabe disso tudo. Por que não vamos logo para a
conclusão?”
Respiro, aguardo, não respondo e sigo em frente, aguardando
o momento certo.
Com os modelos mentais estabelecidos da idade adulta,
normalmente aprendemos pouco e aplicamos o aprendizado menos ainda. Tendemos a
ler sem praticar, ouvir sem escutar, testemunhar sem refletir sobre o que
estamos vivendo e fazendo com nossas vidas. E o trabalho, que ocupa uma parte
significativa de nosso tempo, cabeça e esforços, pode colaborar para um estado
de existência vendada, caso nosso foco esteja somente no dinheiro, na promoção,
na caixa de mensagens ou na rotina ensandecida que não damos conta.
Precisamos desenvolver a capacidade de trabalhar a altitude
e a atitude em nossas rotinas. A altitude é o olhar de cima, ou a partir da
perspectiva interna. Diz respeito ao nível de consciência com o qual estamos
vivendo nossas vidas, o significado de nosso trabalho, as metas que
estabelecemos para nós mesmos, o nosso grau de autoconhecimento, o que queremos
construir, não só em termos de patrimônio, mas em termos de existência, de
legado. A atitude é o quanto de disciplina aplicamos para tentar viver a
altitude. É a iniciativa para construir, transformar e dominar nossas escolhas,
para viver uma vida mais plena, e mais consciente.
Como o tal presidente no meu workshop disse “já sabemos
disso tudo…”.
Mas se sabemos, por que não agimos? Se temos o conhecimento,
por que precisamos ser lembrados? Se sabemos que somos viciados nos
smartphones, por que não os desligamos quando chegamos em casa? Se nos olhamos
no espelho e vemos que estamos comendo demais e nos exercitando de menos, por
que não tomamos uma atitude? Se percebemos que estamos trabalhando o tempo todo
e perdendo o vínculo emocional com quem mais amamos, por que não tentamos
resgatar o diálogo ou pedimos ajuda? Se nos sentimos exaustos por dormir cada
vez menos por que seguimos tomando remédios ou levando trabalho para casa, e
constantemente atrapalhamos nosso próprio sono? Se não damos conta de tudo o
que temos para fazer no dia-a-dia do escritório, por que nos sabotamos perdendo
tempo no cafezinho, nas redes sociais ou não terminando o mais importante no
expediente normal, para depois ter que ficar até mais tarde ou trabalhar no
final de semana? Poderia seguir com inúmeros outros exemplos, mas acho que já
passei a mensagem.
E como chamar este tipo de comportamento? Se sabemos disso
tudo, o nome só pode ser auto sabotagem. Se não percebemos nada disso, falta de
autoconhecimento.
E não tem jeito: consciência é reflexo tanto de
autoconhecimento como de disciplina. Em outras palavras, é preciso se esforçar
para enxergar a si mesmo, como um primeiro passo, para então se esforçar ainda
mais para começar a mudar, para buscar o equilíbrio entre a vida pessoal e a
profissional.
Na busca do equilíbrio, precisamos de Consciência, Cuidado e
Presença. Consciência para entender e se dar conta de nossas rotinas, nossas
escolhas e as razões de nossa ansiedade, angústia ou falta de perspectiva na
sequencia interminável de 2as feiras que podemos estar vivendo. Cuidado, neste
contexto, significa a atenção que temos que ter conosco, com nossa vida
pessoal, com nossa saúde e espiritualidade. E Presença? Presença é a
consciência sendo colocada em prática de forma recorrente, diária. Nos
entregáveis do trabalho, na rotina inebriante da correria e do pouco tempo até
para respirar, nas consequências de nossas escolhas. E presença também se
aplica às nossas relações com os outros, com quem amamos: significa prestar
atenção, desligar o celular, ouvir e querer entender, conversar sem fazer mais
nada ao mesmo tempo, dar a importância que queremos receber quando a situação é
oposta…
Mas já sabemos disso tudo, não é mesmo? E por que não
colocamos em prática?
Porque é muito difícil. A era do muito nos engole e cria um
piloto automático. Muito trabalho, muito trânsito, muita tecnologia, muita
informação. Foco no externo, no fazer, no ter.
Mas sabemos que a vida é mais do que isso, tem que ser mais
do que isso. Me refiro a temas cruciais de nossas vidas, mas que paradoxalmente
quase não temos tempo para vivê-los: nossa saúde, família, amigos, sentimentos,
crescimento pessoal e espiritual.
O desafio real é conciliar estes dois mundos, e colocá-los
na mesma direção. Prosperar no trabalho e na vida pessoal.
Voltando para a pergunta do tal presidente no meu workshop,
um pouco adiante na minha fala, retomei a pergunta dele, e disparei como uma
metralhadora giratória. Se sabemos, por que não agimos, não exercemos, não
vivemos? Derramei uns bons cinco minutos de provocações e argumentos para o
grupo, sem parecer que a resposta era individual. Logo em seguida, ele largou o
Blackberry e começou a me ouvir. Consciência, cuidado e presença ao lado dele
na sala. Mais alguns minutos e ele estava anotando, participando, colaborando.
Espero que esteja até hoje, em sua vida e escolhas.
Como vimos, não basta saber. É preciso agir, com
consciência, disciplina e atenção. Lembrando que não existem atalhos ou
fórmulas mágicas. O esforço é tão grande quanto o do trabalho, ou até maior.
Mas a recompensa, esta não tem comparação.
Fonte: André Caldeira - Exame
Nenhum comentário:
Postar um comentário